Ir direto para menu de acessibilidade.
Portal do Governo Brasileiro
Página Inicial > Espaços culturais > Institucional > Sitio Histórico Cemitério dos Heróis
Início do conteúdo da página

Sitio Histórico Cemitério dos Heróis

Acessos: 511

CEMITÉRIO DOS HERÓIS DA RETIRADA DA LAGUNA, EM JARDIM-MS - JUSTIFICATIVA DE CRIAÇÃO DO SÍTIO HISTÓRICO.

 

 

 

Descansam os nossos infelizes chefes à esquerda do Miranda, a alguma distância da entrada do bosque, e em altura correspondente à estância do Jardim, à margem direita. Se lhes não profanarem os túmulos é de se esperar que, um dia ou outro alguma cruz de material duradouro, com uma inscrição, aponte à memória dos brasileiros o lugar que recebeu os despojos destas nobres vítimas do dever. TAUNAY, 1871, p. 141-142.

Por que criar o Sítio Histórico Cemitério do Heróis da Retirada da Laguna?

Porque de fato ele já existe, materializado no terreno, e no imaginário popular.

O cenotáfio conhecido como Cemitério dos Heróis é um patrimônio cultural de valor histórico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

– IPHAN. Remete à Retirada da Laguna, um importante capítulo da Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai e está localizado no município de Jardim-MS, a 4,5 quilômetros do centro da cidade.

BREVE HISTÓRICO

Em fins de 1864, o Exército Paraguaio invadiu o sul da província do Mato Grosso, no contexto da Guerra da Tríplice Aliança. Avançando pelo rio Paraguai, tomou o Forte de Coimbra, a Vila de Corumbá, maior entreposto comercial da província do Mato Grosso, e a Vila de Albuquerque, chegando às proximidades da região conhecida como Sará. Por terra, a partir de Bella Vista Norte, próximo à fronteira sul da província, os paraguaios tomaram o arco formado pelas colônias militares de Dourados, do Miranda, de Nioaque e a Vila de Miranda, prosseguindo até Coxim. Como resposta, o Governo Imperial organizou tropas para fazer frente ao ataque. Durante quase dois anos, soldados do Império marcharam em direção à fronteira do Mato Grosso com o Paraguai.

No início de 1867, a Coluna Expedicionária organizada pelo Império se encontrava sob o comando do Cel Carlos de Moraes Camisão, tendo o Ten Cel Juvêncio como chefe da Comissão de Engenheiros. Também fazia parte dessa

 

comissão o Ten Alfredo D'Escragnolle Taunay, que deixaria para as gerações futuras uma riquíssima obra, narrando os acontecimentos pelos quais aquela tropa e os agregados que a acompanhavam tiveram que passar.

A Coluna estava estacionada em Nioaque quando o Sr. José Francisco Lopes se apresentou como voluntário para guiar a tropa até a fronteira. A família de Lopes havia sido sequestrada pelos paraguaios durante a invasão de 1864.

Em 25 de fevereiro de 1867, as tropas avançaram rumo sul em direção ao rio Apa, divisa do Império com o norte da República do Paraguai. Os víveres já escasseavam; a cavalhada já havia sido toda morta; faltava munição; e doenças assolavam combatentes e agregados (comerciantes, familiares, vivandeiras, dentre outros que acompanhavam a coluna). Mesmo assim prosseguiram na esperança de encontrar gado, prisioneiros e, quem sabe, o próprio Solano Lopes, o que poderia pôr fim à guerra.

Em solo paraguaio, as tropas de Camisão nada encontraram além de desolação. Não havia nada que pudesse ser aproveitado. Dirigiram-se até a Estância Laguna, a última esperança de encontrar algo que compensasse a empreitada. Como Laguna se mostrou irrelevante e de pouca ajuda, não havia mais nada a fazer. Era hora de ordenar a Retirada. Começa assim, em 8 de maio de 1867, a famosa marcha eternizada pelo Visconde de Taunay, a Retirada da Laguna. A partir daquele momento, e por pouco mais de um mês, os soldados brasileiros sofreríam as mais amargas penas. Passariam por intempéries, fome, ataques do inimigo, queimadas na mata, doenças, cansaço. O guia Lopes teve que desviar dos caminhos conhecidos a fim de não deixar a tropa vulnerável ao inimigo que estava sempre à espreita e a emboscar. Todavia, sair das estradas conhecidas

só aumentou o sofrimento daqueles homens e mulheres.

No dia 27 de maio, avistaram a Fazenda Jardim, de propriedade do guia Lopes, às margens do rio Miranda. A fazenda significou um alívio depois de dias de dissabores. O laranjal do Lopes era esperado por muitos soldados famintos. Contudo, o guia não chegou vivo a terra que era sua. Caiu morto, vítima de cólera, no dia 27.

À meia légua do retiro atingimos afinal a margem do Miranda. [...] Via-se, à margem oposta, a casa do guia, o teto hospitaleiro onde o

 

viandante sempre encontrara boa acolhida e abundância de tudo. No momento de ali chegar expirou o nobre velho, insensível à vista daquilo que tanto amara. Foi enterrado no meio do nosso acampamento, em terra que era sua. TAUNAY, 1871, p. 135.

Ao chegarem à margem esquerda do rio Miranda, as cheias das águas os impediram de alcançar a fazenda, a quase dois quilômetros da margem direita. Alguns soldados que tentaram atravessar a nado, morreram afogados.

[...] muitos foram os que, em tropel, correram à beira-rio, para tentar a passagem, Muitos a experimentaram: os mais fracos ou menos favorecidos, traídos pelo desfalecimento, desapareceram na correnteza [...] TAUNAY, 1871, p. 140.

O acampamento foi montado naquela área. Era necessário esperar as águas do rio baixarem. Permaneceram naquele local do dia 28 de maio ao dia 1º de junho de 1867. Aquele seria o último pouso de muitos militares e civis. Uns morreram no acampamento e ali foram enterrados; outros, desapareceram para sempre, levados pelas águas do Miranda,

Neste mesmo dia 28 morreram algumas mulheres, mais desvalidas ainda que os demais doentes, mais desprovidas de recursos e, por motivo de sua natural fraqueza, mais ferreteadas pelos estigmas da miséria absoluta.” TAUNAY, 1871 p. 140.

Dois dias depois da morte do guia, a cólera levaria também o Comandante da Coluna, Cel Carlos Camisão e o Subcomandante, Ten Cel Juvêncio.

No dia 29 de maio, Camisão falece. “Às sete e meia, faz supremo esforço; levantou-se do couro em que estava deitado, apoiou-se sobre o capitão Lago e perguntou-lhe onde estava a coluna, repetindo ainda que a salvara. Depois, voltando os olhos, já virados, para o seu ordenança, exclamou em tom de comando: ‘-Salvador! Dê-me a espada e o revólver’. Procurou afivelar o talim e exatamente nesta ocasião deixou-se rolar no chão murmurando. ‘-Façam seguir as forças, que vou descansar’. E assim expirou. TAUNAY,1871, p. 141.

Também acometido pela cólera, dentro de uma barraca, a alguns metros de Camisão, estava o chefe da Comissão de Engenheiros, o Ten Cel Juvêncio.

 

Tinha, constantemente, os nossos nomes nos lábios para nos recomendar a família. Ao meio dia acalmou-se, caiu numa letargia entrecortada de sobressaltos, e, às três horas, expirou depois de nos entregar, para a mulher e os filhos, uma bolsinha de couro contendo algumas economias de campanha.” TAUNAY,1871, p. 142.

Esses e outros personagens foram enterrados junto com tantos outros heróis anônimos, naquele acampamento, às margens do Miranda. Com o baixar das águas, a Coluna seguiu sob o Comando do Major José Tomás Gonçalves, deixando para trás um assombroso cemitério de campanha, que seria lembrado pelas gerações futuras como Cemitério dos Heróis da Retirada da Laguna.

O suplício dos que sobreviveram ainda duraria alguns dias. Foram à Nioaque, onde uma explosão na igreja da vila, armadilhada pelos paraguaios, tirou a vida de cerca de quinze soldados do Império. De Nioaque rumaram para norte, até chegarem, em 11 de junho de 1867, ao Porto do Canuto, no rio Aquidauana, hoje município de Anastácio. Terminava assim a epopeia desses heróis brasileiros.

O CEMITÉRIO DOS HERÓIS

Com o fim da guerra (1870), a vida começou a voltar à sua normalidade no sul da província do Mato Grosso. Iniciava-se desta forma a história do resgate da memória daqueles que tombaram naquele solo. Em 1874, o Governo Imperial mandou construir um monumento no local onde estavam sepultados o Cel Camisão, o Ten Cel Juvêncio, o guia Lopes e outros heróis anônimos. O Cel Rufino Enéas Gustavo Galvão, incumbido da demarcação dos limites fronteiriços do Império, também ficou encarregado de localizar os restos dos heróis mortos na Fazenda Jardim, construir singelos túmulos e erigir um monumento. Até os dias de hoje, a lápide desse monumento continua lá no cemitério, testemunhando os feitos dos heróis do passado. Nela, se lê:

À memória dos Beneméritos Cel Carlos de Moraes Camisão e Tte. Cel. Juvêncio M. Cabral de Menezes, Comte. e Imto das forças em operação ao sul desta província. Fallecidos na memorável retirada das mesmas forças em 29 de maio de 1867. O Governo Imperial mandou erigir este monumento em 1874.

 

Após a guerra, o cemitério passou a ser utilizado para enterros de moradores locais, a maioria descendentes do guia Lopes. Em 1905, por ocasião da construção da linha telegráfica, o Maj Cândido Mariano da Silva Rondon, prestou homenagem aos heróis da Guerra da Tríplice Aliança e ordenou que fossem feitos pequenos reparos no cemitério. Rondon teve como guia um dos filhos de José Francisco Lopes, que carregava o mesmo nome do pai.

Quando em 1926, o Gen Malan, em expedição ao sul do Mato Grosso, decidiu realizar melhorias no cemitério, o filho de Lopes “Alegrou-se com a notícia de que ia ali fazer. Disse que há 20 anos não punha os pés no cemitério; que desde de 1905 quando foi prático das linhas telegráficas.” MALAN, 1926, p.381.

Meses depois, o filho do guia Lopes indicaria aos militares do 6º BE, de Aquidauana, o caminho da “Catacumba de Camisão”, como havia ficado conhecido o local. Esses militares vieram ao cemitério para fazer os reparos e melhorias levantados pelo General Malan, que deixou registradas as seguintes impressões sobre o cemitério:

Inesquecível a impressão ao deparar, à luz escasseante do crepúsculo, com o aramado, já em ruínas, que cerca os túmulos. É neste recanto sombrio e deserto, de aspecto selvagem e quase hostil, que repousam, há 59 anos, os restos de Camisão e de Juvêncio.” MALAN, 1926, p. 376

A partir da década de 1930, o cemitério passou a ser visitado por militares em diversas operações. Com o início dos trabalhos de abertura de estrada e o acampamento militar montado na Fazenda Jardim, o local se tornou parada certa para as cerimônias militares de culto aos heróis da Guerra da Tríplice Aliança.

Entre os anos de 1940 e 1941, após anos de tratativas, os corpos dos heróis foram transladados para um monumento construída aos pés do Pão de Açúcar, na Praia Vermelha, sendo as urnas com os restos mortais recebidas no novo local em 15 de novembro de 1941. Até hoje, lá repousam os restos mortais dos heróis da Retirada da Laguna e Dourados.

Após o translado, o sítio se tornou um cemitério sem mortos (um cenotáfio), mas toda história que ali havia se passado permaneceu viva entre os moradores da

 

Fazenda Jardim e, principalmente, entre os militares do Exército que por ali passaram.

Assim começava uma longa história que buscaria o reconhecimento formal do Estado a respeito da importância daquele lugar. A área foi doada informalmente à União na década de 1930, pelo Sr. Fábio Martins Barbosa, casado com um neta do guia Lopes. Todavia, a burocracia da doação só se cumpriu anos depois com a formalização feita pelo Sr. Oswaldo Monteiro, e posteriormente, sua filha, Iva Maciel Monteiro, que entregou em 2004 a documentação de doação ao Comandante da 4ª Cia E Cmb Mec.

Após décadas de tratativas e estudos, o “Lugar onde estiveram sepultados o guia Lopes, o Coronel Camisão e o Coronel Juvêncio [...]” foi tombado como patrimônio histórico nacional pelo IPHAN. A homologação do tombamento se deu por meio da Portaria 127, do Ministério da Cultura, de 30 de agosto de 2016.

O Cemitério dos Heróis, como popularmente é conhecido, faz parte do calendário de atividades culturais da 4ª Bda C Mec e do CMO. Recebe visitantes de diversas partes do Brasil e até do exterior. Constitui-se num instrumento de valorização da história local e nacional, e difusor dos valores e tradições do Exército. Por essas razões, a criação de um Espaço Cultural se faz necessária a fim de garantir o permanente cuidado desse importante espaço de memória.

O CEMITÉRIO AO LONGO DOS ANOS

 

ANO

ACONTECIMENTO

 

1867

No contexto da Retirada da Laguna, militares e civis mortos foram enterrados na região da Fazenda Jardim, sul da província de Mato Grosso.

1874

Após o fim da guerra, o Governo Imperial mandou erigir um monumento aos heróis mortos no acampamento da Fazenda Jardim.

1905

O Major Rondon fez passar a linha telegráfica em frente à Fazenda Jardim e ao cemitério. Realiza reparos e presta homenagem.

 

1926

O Gen Malan, em expedição no sul do estado, determina a realização de novos reparos no cemitério, dentre eles a reconstrução dos túmulos

 

 

 

do Cel Camisão, do Ten Cel Juvêncio e do guia Lopes.

 

 

1940

1941

Foi realizado o translado dos corpos. As urnas com os heróis da guerra passaram por diversas cidades do interior de Mato Grosso, São Paulo e Rio de Janeiro, até serem depositadas em 15 de novembro de 1941 num monumento aos heróis da Retirada da Laguna e Dourados, aos pés do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro.

 

2016

Homologação do tombamento do Cemitério dos Heróis como Lugar onde estiveram sepultados o guia Lopes, o Coronel Camisão e o Coronel Juvêncio.

 

 

1º Sgt Evandro Dias da Silva Licenciado em História pela UFMS 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

DALMOLIN, José Vicente. Cemitério dos Heróis da Retirada da Laguna - Memorial Descritivo. 2017.

GUIMARÃES, Acyr Vaz. Seiscentas Léguas a pé. 1999. MALAN, Alfredo. Heroes Esquecidos. 1926

TAUNAY, Alfredo D'Escragnolle. A Retirada da Laguna. 1871. VIVEIROS, Esther de. Rondon conta sua vida. 1958.

by Lauro Kesley 49

by Lauro Kesley 32

by Lauro Kesley 8

Fim do conteúdo da página