Retirada da Laguna
A Retirada da Laguna
Mato Grosso do Sul já foi palco de guerra. Olhos atentos podem encontrar vestígios em diversos lugares. Nos monumentos, nas paisagens e até mesmo no solo, há muito banhado por suor, sangue e lágrimas.
Em dezembro de 1864, os paraguaios invadiram o sul da Província de Mato Grosso, iniciando a Guerra da Tríplice Aliança. Enquanto uma força naval subiu o rio Paraguai, tomando o Forte de Coimbra e a povoação de Corumbá, por terra, cerca de 2.000 cavaleiros destruíram a Colônia Militar dos Dourados e ocuparam as vilas de Nioaque e Miranda.
Muitas propriedades foram saqueadas, como a fazenda Jardim, de José Francisco Lopes, que teve esposa e filhos aprisionados.
Na Colônia dos Dourados, o Tenente Antônio João sacrificou a própria vida em defesa do solo Pátrio.
Para contra-atacar os invasores, o Império do Brasil enviou uma expedição militar, que saiu do Rio de Janeiro em abril de 1865 e chegou em Nioaque no início de 1867. E por onde passou, essa força expedicionária incorporou várias organizações militares, atraindo mulheres em busca de oportunidades e um crescente fluxo de mercadores.
Após a chegada do Exército em Nioaque, José Francisco Lopes se apresentou ao comandante, o Coronel Carlos Camisão. Ele se voluntariou para guiar as tropas e ainda forneceu gado de sua fazenda.
Com esse limitado apoio logístico, os expedicionários conseguiram transpor a fronteira do rio Apa e ocupar o fortim paraguaio da Bela Vista. Porém, a escassez de suprimento logo os motivou a adentrar ainda mais ao território paraguaio em busca de gado. Eles continuaram a expedição até a invernada da Laguna e não conseguindo rebanho suficiente, não viram outra saída senão iniciar uma operação de retirada.
Começou assim, em 8 de maio de 1867, uma épica jornada de 35 dias, que percorreu mais de 260 quilômetros entre a Estância Laguna, no Paraguai, e o porto de João Canuto, no rio Aquidauana, atual município de Anastácio.
No dia 11 de maio, o retraimento brasileiro foi emboscado. Um ataque surpresa de infantes paraguaios, sucedido por uma concentrada carga de cavaleiros, forçou os batalhões brasileiros a formar quadrados, permitindo o emprego preciso de seus atiradores. Foi uma luta terrível e em apenas 15 minutos, mais de cem paraguaios e brasileiros perderam a vida. Durante o combate, conhecido hoje como Nhandipá, a boiada tocada pelos retirantes estourou, deixando-os sem o principal sustento.
Visando manter o inimigo sempre à retaguarda e assim evitar novas emboscadas, a expedição abandonou a estrada conhecida e continuou sua retirada pelas planícies, ladeadas por espessos cerrados. Foi quando os paraguaios incendiaram os campos, como forma de levar o caos à coluna de marcha, que foi obrigada a se internar cada vez mais nas matas.
Por um momento, a tropa se perdeu. Mas a esperança foi retomada quando o Guia Lopes avistou, ao longe, o morro da Margarida, uma elevação destacada no terreno, que o ajudou a encontrar o caminho de sua Fazenda.
Com o passar dos dias, os ataques paraguaios, a fome e as intempéries agravaram o sofrimento daqueles desafortunados. E como se não bastasse, surgiu um inimigo ainda mais implacável, o cólera, que em poucos dias contaminou centenas de soldados e civis, condenando-os a dormir o sono eterno na Fazenda Jardim.
Tamanho era o número de inválidos, que o Comandante tomou a difícil decisão de abandoná-los. No dia 26 de maio, cerca de 130 coléricos foram deixados à própria sorte, num local hoje conhecido como Cambaracê. O inimigo logo tratou de abreviar aquele sofrimento, dando fim a cada um deles.
A doença continuou vitimando o guia das tropas e outros tantos heróis, civis e militares, anônimos e conhecidos, como o Coronel Camisão e seu subcomandante, o Tenente-Coronel Juvêncio. Todos foram enterrados na margem esquerda do rio Miranda, num local atualmente conhecido como Cemitério dos Heróis da Retirada da Laguna.
Após a difícil travessia do Miranda, a tropa encontrou alento na Fazenda Jardim. Os laranjais ali plantados há algum tempo, alimentaram, hidrataram e, de certa forma, curaram os coléricos.
Restabelecidos, os soldados retomaram a marcha na direção de Nioaque. Dali em diante, os paraguaios não atacaram mais. Deixaram, contudo, uma última mensagem. Uma armadilha explosiva na igreja de Nioaque, que ceifou mais algumas vidas.
A coluna prosseguiu na direção norte, rumo ao rio Aquidauana. Sua chegada ao Porto Canuto, no dia 11 de junho de 1867, marcou o fim da retirada. No dia seguinte, uma ordem do dia resumiu em poucas palavras, os acontecimentos, legando para a história a constância e o valor do soldado brasileiro, que mesmo diante das dificuldades, soube conservar ao Império, seus canhões e sua bandeira.
1º Sgt Evandro Dias da Silva
Licenciado em História pela UFMS
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